sábado, 16 de janeiro de 2010

sexta-feira, 15 de janeiro de 2010

Uma declaração budista sobre as alterações climáticas

Esta declaração resulta dos contributos de cerca de vinte mestres de todas as tradições budistas que participaram na redacção da obra A Buddhist Response to the Climate Emergency (Uma resposta budista à emergência climática, Wisdom Publications, 2009).

O texto intitulado «Chegou o momento de agir» (tradução da versão original em língua inglesa The Time to Act is Now) de inspiração pan-budista, foi redigido por David Tetsuun Loy (mestre zen) e pelo venerável Bhikkhu Bodhi (mestre da tradição Theravada), contando ainda com a contribuição científica do Dr. John Stanley. Esta declaração tem como seu primeiro subscritor o Dalai Lama. Convidamos todos os membros da comunidade budista internacional preocupados com esta questão a lerem este documento e a juntarem a sua voz, subscrevendo-o.

Chegou o momento de agir

Uma declaração budista sobre as alterações climáticas


Vivemos hoje numa época de grave crise, confrontados com os desafios mais sérios que a humanidade alguma vez experimentou: consequências ecológicas do nosso karma colectivo. A constatação unânime dos cientistas é esmagadora: as actividades humanas estão em vias de provocar um desastre ecológico à escala planetária. O aquecimento global, em particular, está a acelerar-se a um ritmo mais rápido do que se previa, sendo hoje patente no Pólo Norte. Durante centenas de milhares de anos, o Oceano Árctico esteve coberto por uma camada de gelo tão vasta como a Austrália que se encontra actualmente em rápido desaparecimento. Em 2007, o Grupo Intergovernamental de Especialistas em Evolução Climática (GIEC) previu que, por volta de 2100, o derretimento estival dos gelos seria total, mas é hoje evidente que corremos o risco de isso vir a suceder dentro de uma ou duas décadas. A vasta extensão de gelo da Gronelândia está também a derreter mais rapidamente do que se previra. O nível do mar vai aumentar pelo menos um metro ao longo deste século, o que provocará a inundação de inúmeras zonas costeiras, assim como de importantes áreas cultivadas de rizicultura de vital importância como o Delta do Mekong, no Vietname. Por todo o mundo, os glaciares diminuem velozmente. Se as políticas económicas actuais não mudarem, os glaciares do planalto tibetano, que alimentam os grandes rios que fornecem água a milhões de pessoas na Ásia, desaparecerão nos próximos trinta anos.
A Austrália e o Norte da China sofrem neste momento graves períodos de seca e uma diminuição das colheitas. Importantes relatórios, como o do GIEC, das Nações Unidas, da União Europeia e da União Internacional para a Conservação da Natureza, concordam em afirmar que, sem uma mudança de orientação colectiva, a diminuição das reservas de água e dos recursos alimentares, poderá provocar, entre outras consequências, situações de fome, conflitos motivados pela disputa dos recursos, assim como migrações maciças até meados do século – porventura, mesmo, até 2030, segundo o primeiro conselheiro científico do governo britânico.

O aquecimento global desempenha um papel essencial em outras crises ecológicas, como o desaparecimento de numerosas espécies vegetais e animais que partilham a Terra connosco. Os oceanógrafos assinalam que metade das emissões de carbono devidas à utilização de combustíveis fósseis já terá sido absorvida pelos oceanos, o que aumentou a sua taxa de actividade em cerca de 30%. Esta acidificação perturba a calcificação das conchas e dos recifes de coral, ameaçando o desenvolvimento do plâncton, base da cadeia alimentar da maioria das espécies que povoam os oceanos.
Os relatórios das Nações Unidas concordam com as tomadas de posição de eminentes biólogos que afirmam que a continuação da actual política de cegueira voluntária levará à extinção de cerca de metade das espécies terrestres actualmente existentes. Estamos a transgredir, colectivamente, o primeiro dos preceitos: “Não prejudicar os seres vivos”, e estamos a fazê-lo na maior escala possível. Somos incapazes de antecipar o impacto biológico sobre a vida humana que será provocado pelo desaparecimento desta infinidade de espécies que, imperceptivelmente, também contribuem para o nosso próprio bem-estar.

Muitos cientistas chegaram já à conclusão de que está hoje em causa a sobrevivência da própria civilização humana. Atingimos um momento crucial da nossa evolução biológica e social. Nunca na história a necessidade do contributo do budismo para o bem de todos os seres se impôs com tamanha urgência. Por intermédio das quatro nobres verdades dispomos de um quadro que permite traçar um diagnóstico sobre a nossa situação actual e, assim, definir as grandes linhas de uma solução: as ameaças e catástrofes que nos assombram provêm em última instância do espírito humano, pelo que exigem uma fundamental mutação do nosso espírito. Se o sofrimento individual nasce da sede e da ignorância (dos três venenos: a avidez, o ódio e a ilusão), o mesmo sucede quanto ao sofrimento que experimentamos à escala colectiva. A urgência ecológica actual confronta-nos com o eterno sofrimento humano, de uma forma desmultiplicada. Nós sofremos como indivíduos mas também como género, de um si que se vê como separado não só dos outros mas também da própria Terra. Como diz Thich Nhat Hanh: «Nós estamos aqui para despertar da ilusão da nossa separação». Devemos acordar e compreender que a Terra é tanto nossa mãe como nossa casa. Desde logo, o cordão umbilical que a ela nos liga não pode ser cortado. Se a terra adoece, nós também adoecemos porque somos parte integrante dela. As nossas actuais relações económicas e tecnológicas com a biosfera não são viáveis. A fim de sobreviver às duras transformações que se avizinham, os nossos modos de vida e as nossas expectativas devem mudar. Isto supõe não só novos comportamentos, mas também novos valores. O ensinamento budista segundo o qual a saúde global das pessoas e da sociedade depende do bem-estar interior, e não apenas de indicadores económicos, permite-nos definir as transformações pessoais e sociais que devemos empreender.
No plano individual, devemos adoptar comportamentos que manifestem a nossa consciência ecológica no quotidiano, reduzindo assim a nossa pegada de carbono. Para aqueles que vivem em economias desenvolvidas, isto implica modernizar e isolar as casas e os lugares de trabalho para obter um melhor rendimento energético; reduzir o aquecimento no Inverno e o ar condicionado no Verão; utilizar lâmpadas e electrodomésticos de baixo consumo; desligar os aparelhos eléctricos que não estão em uso; conduzir viaturas que consumam o menos possível; diminuir o consumo de carne, favorecendo uma alimentação vegetariana, mais saudável e mais respeitadora do ambiente.

Estas iniciativas individuais, todavia, por si sós, não são suficientes para evitar futuras catástrofes. Devemos igualmente empreender transformações institucionais, no plano tecnológico e no plano económico. Logo que possível, devemos “descarbonar” as nossas produções energéticas, substituindo as energias fosseis por fontes de energia renováveis que são ilimitadas, inofensivas e que estão em harmonia com a natureza. Devemos particularmente parar com a construção de novas centrais a carvão, uma vez que esta é, de longe, a fonte mais poluente e mais perigosa de emissões de carbono na atmosfera. Inteligentemente exploradas, as energias eólica, solar, marmotriz e geotérmica poderiam fornecer toda a electricidade de que necessitamos sem prejudicar a biosfera. Cerca de um quarto das emissões de carbono mundiais são devidas à desflorestação, pelo que deveremos inverter o processo de destruição das florestas, em particular a cintura das florestas tropicais onde vive a maior parte das espécies animais e vegetais.

Torna-se hoje evidente que é igualmente necessário proceder a alterações significativas na organização do nosso sistema económico. O aquecimento global encontra-se estreitamente ligado às monstruosas quantidades de energia que as nossas indústrias devoram a fim de dar resposta aos níveis de consumo que correspondem às expectativas de tantos de entre nós. De um ponto de vista budista, uma economia sã e duradoura deve reger-se pelo princípio da suficiência: a chave da felicidade encontra-se na satisfação e não numa multiplicação crescente de bens e produtos. O comportamento compulsivo que leva a um consumo crescente é expressão de sede, aquela disposição que o Buda identificou como sendo a principal causa do sofrimento.
No lugar de uma economia submetida à lei do lucro que requer um crescimento ilimitado para não falhar, devíamos fazer evoluir o mundo em direcção a uma economia que promovesse um nível de vida satisfatório para todos, permitindo-nos assim desenvolver as nossas plenas potencialidades (incluindo as espirituais) em harmonia com a biosfera, que sustenta e nutre todos os seres, onde se incluem também as gerações futuras. Se os dirigentes políticos não são capazes de reconhecer a urgência desta crise mundial ou se ele não estão dispostos a considerar o bem estar a longo prazo da humanidade acima dos benefícios de curto prazo das companhias que exploram os combustíveis fosseis, talvez seja necessário que os contestemos mediante o desencadear de campanhas persistentes de acção cívica.

Diversos climatologistas, como o Dr. James Hansen, da NASA, definiram recentemente objectivos precisos a fim de evitar que o aquecimento global atinja um limiar crítico catastrófico. Para que a civilização humana seja viável, a taxa aceitável de dióxido de carbono na atmosfera deve ser inferior a 350 ppm (partes por milhão). O cumprimento deste objectivo é recomendado e apoiado pelo Dalai Lama, assim como por outras personalidades agraciadas com o Prémio Nobel e por prestigiados cientistas. Na situação actual encontramo-nos nos 387 ppm, nível que aumenta ao valor de 2 ppm por ano.

É assim necessário não só reduzir as emissões de carbono mas também eliminar a excessiva quantidade de dióxido de carbono já presente na atmosfera.
Enquanto signatários desta declaração de princípios budista, nós reconhecemos o desafio urgente que o aquecimento global coloca. Juntamo-nos ao Dalai Lama para apoiar o objectivo dos 350 ppm. De acordo com os ensinamentos budistas, e conscientes da nossa responsabilidade individual e colectiva, comprometemo-nos a fazer tudo o que estiver ao nosso alcance para atingir esse objectivo, nomeadamente (mas não só) através das acções individuais e sociais aqui sucintamente indicadas.
Dispomos apenas de um curto espaço de tempo para agir, para preservar a humanidade de uma catástrofe iminente e para assegurar a sobrevivência das diversas e belas formas de vida terrestres. As futuras gerações e as outras espécies que partilham a nossa biosfera, não têm voz para nos pedir que demonstremos a nossa compaixão, sabedoria e poder de decisão. Devemos escutar o seu silêncio. E devemos também ser a sua voz e agir em seu nome.

Para subscrever a declaração:

http://www.ecobuddhism.org/350_target/350_target/buddhist_declaration_on_climate_change___french/

quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

Entrevista

Publico a entrevista que dei ao nº1 da revista Om Yess (Dezembro de 2009), enquanto presidente da União Budista Portuguesa:

1. Pode falar-nos um pouco sobre o seu percurso de vida e como é que ele o conduziu ao Budismo?

Por um lado, tive a felicidade de ter um pai que se interessava por yoga e espiritualidade e que desde cedo me deu livros interessantes para ler e me ensinou técnicas de relaxação. Por outro, desde pequeno tive a convicção absoluta de já ter existido antes desta vida e de ir continuar a existir depois dela. Até que, após uma adolescência turbulenta, em busca do sentido da existência, e de um curso de Filosofia que me mostrou as limitações do mero conhecimento intelectual, acabei por descobrir o yoga, a meditação e o budismo num centro budista tibetano, em Lisboa. Isso possibilitou-me conhecer e receber ensinamentos e iniciações de um mestre como Dilgo Khyentse Rinpoche e, na sequência disso, tentar seguir o ensinamento de mestres como Sua Santidade o Dalai Lama, Kyabje Trülshik Rinpoche, Tulku Pema Wangyal Rinpoche e Jigme Khyentse Rinpoche.

2. Como caracteriza o Budismo e qual o seu objectivo?

O Dharma ou Via do Buda, conhecido no Ocidente como Budismo, consiste nos ensinamentos e métodos transmitidos pelo Buda Shakyamuni (566-486 a. C.) para que os seres reconheçam a sua própria natureza de Buda, um estado da mente livre de todos os obscurecimentos conceptuais e emocionais e no qual assim perfeitamente se manifestam todas as suas qualidades cognitivas e afectivas, nomeadamente a omnisciência, a visão da natureza última de todas as coisas e um amor e compaixão infinitos e imparciais por todos os seres.

A base do ensinamento do Buda Shakyamuni consiste na exposição das Quatro Nobres Verdades, segundo uma perspectiva terapêutica: 1 – o diagnóstico é o reconhecimento de que todas as experiências condicionadas são dukkha, termo que implica as noções de sofrimento, insatisfação, mal-estar, frustração e imperfeição; 2 – a etiologia consiste em indicar como causas de dukkha a ignorância, no sentido do desconhecimento da natureza última da mente e dos fenómenos, que leva à crença na percepção de uma separação e dualidade entre o sujeito e o objecto, o suposto eu e o mundo, e daí ao egocentrismo do desejo possessivo e da aversão; 3 – o remédio consiste no nirvana ou cessação do sofrimento por abolição das suas causas; 4 – a aplicação do remédio é a via que assume três aspectos: ética (não prejudicar nenhum ser vivo e fazer tudo para o bem de todos), meditação (libertar a mente de todos os conceitos e emoções negativas que a agitam, desenvolvendo uma atenção concentrada, calma e pacífica) e sabedoria (o conhecimento directo da natureza pura de todas as coisas e o viver em conformidade com isso, pondo a vida ao serviço do bem e da libertação de todos os seres).

Assumindo aspectos filosóficos e religiosos de acordo com as necessidades dos seres e das culturas onde se manifesta, o chamado Budismo é fundamentalmente uma via para curar e libertar a mente do facto de ser causadora de sofrimento para si e para os outros.

3. Quais são as principais correntes do Budismo?

Há muitas correntes no Budismo, mas todas se podem inserir nos chamados Três Veículos, correspondentes a diferentes ciclos do ensinamento do Buda, complementares entre si: o Hinayana, representado hoje pela escola Theravada, que põe a tónica na libertação individual; o Mahayana, que acentua a sabedoria da vacuidade do eu e dos fenómenos e o amor e compaixão universal, destacando a figura do Bodhisattva, aquele que deseja chegar ao estado de Buda para aí levar todos os seres; o Vajrayana, que parte da visão de que a natureza de Buda está presente em todas as coisas e combina a sabedoria e a compaixão na forma de meios mais rápidos de progresso espiritual, que podem levar ao despertar numa única vida. O Theravada, todavia, não aceita esta ideia dos Três Veículos.

4. Qual a importância da figura do Mestre no Budismo?

É muita, sobretudo no Mahayana e no Vajrayana, em que o mestre é visto como um Buda vivo e como a manifestação exterior do Mestre interior, que é a nossa própria natureza de Buda, a qual necessita de um espelho onde se reflectir, para que a reconheçamos. Sem um mestre, facilmente se cai em todo o tipo de auto-enganos espirituais, que em vez de nos libertarem nos levam a um reforço do ego e ao chamado materialismo espiritual. É contudo extremamente importante verificar se o mestre é autêntico e se vive de acordo com o que ensina, tal como é decisivo não cair numa devoção dualista, idólatra e cega. Mestre é aquele que nos liberta de toda a dualidade, inclusive da dualidade entre mestre e discípulo.

5. Encontra alguma relação entre o Yoga e o Budismo?

Segundo a tradição, o Buda, antes de atingir o Despertar, foi discípulo de dois mestres indianos, que lhe transmitiram os conhecimentos e práticas tradicionais de meditação e yoga, que ele dominou rapidamente, ao ponto de lhe ser proposto passar a ser o mentor daquelas comunidades. O Buda seguiu todavia a sua busca, pois não considerou haver encontrado naqueles estados meditativos a libertação que procurava para transmitir aos outros. No Budismo, sobretudo no Vajrayana, fala-se contudo de vários níveis de yoga, o que na via budista são outros tantos níveis de experiência não dualista da natureza primordial da mente, a qual se considera desde sempre desperta e iluminada.

6. Como sabe, Ahimsá - Não Violência – é um dos pilares éticos da filosofia do Yoga, e a instauração definitiva de uma Era de Paz o nosso grande objectivo. Qual poderá ser a contribuição do Budismo para a Paz Mundial?

Ahimsá é também um dos pilares éticos e meditativos do Budismo, que assume como princípio fundamental vigiarmos as nossas acções mentais, verbais e físicas de modo a que não só não sejam factores de sofrimento para nós e para todos os seres sencientes, humanos e não-humanos, mas se convertam ainda em causas da sua felicidade. Também desejamos a Paz no planeta e no universo e dedicamos toda a energia positiva das nossas acções e práticas para que isso aconteça e todos os seres sejam felizes. Estamos todavia convictos de que isso só pode acontecer se todos os seres fizerem o esforço individual por disciplinar e transformar as suas mentes e os seus pensamentos, palavras e acções e não consideramos que haja qualquer evolução necessária nesse sentido. Caso não haja esforço ético e espiritual, o mundo humano continuará a ser um mundo condicionado pelas ilusões, emoções e acções negativas, como acontece em todo o samsara, que abrange os mundos não-humanos, inclusive divinos. Enquanto não se transcender o samsara tudo é impermanente e não é possível haver Paz senão numa mente desperta, que se libertou da ilusão do eu e do não-eu, bem como de todos os conceitos e emoções decorrentes.


7. Como é vivido o Budismo em Portugal? Quer-nos falar um pouco das actividades da União Budista Portuguesa?

O Budismo está em franco crescimento em Portugal, tal como na Europa e no Ocidente em geral. A União Budista Portuguesa foi fundada em 1997 para reunir e federar as escolas budistas autênticas presentes no nosso país, sendo a representante oficial do Budismo perante o Estado e a sociedade portuguesa. Temos delegações de Norte a Sul, incluindo na Madeira, e promovemos o estudo e prática do Budismo convidando mestres das diferentes escolas e tradições, organizando seminários, conferências, cursos e retiros com eles e com instrutores com dezenas de anos de prática. Nesse sentido participámos na organização das duas vindas de Sua Santidade o Dalai Lama a Portugal, em 2001 e 2007. Damos aulas de yoga e meditação e organizamos cursos de introdução à meditação e à filosofia budista, que têm uma grande procura. Temos um grupo de tradução, responsável por versões portuguesas de vários textos clássicos budistas. Temos emissões regulares no programa “A Fé dos Homens”, na RTP 2 e agora também na rádio. Damos uma particular importância ao diálogo inter-religioso e assumimos com Sua Santidade o Dalai Lama o compromisso de tudo fazer em Portugal para o promover. Nessa linha, participamos num Encontro mensal de Meditação Inter-Religiosa, no qual praticantes de diferentes confissões e filosofias vivem em conjunto a experiência do silêncio. Muitos de nós participamos ainda individualmente em várias actividades de serviço social, como o apoio aos sem-abrigo, no âmbito de um projecto chamado CASA, que não se limita a budistas. Desenvolvemos também várias actividades em prol dos animais, como a libertação de marisco vivo. As nossas actividades podem ser consultadas em www.uniaobudista.pt

8. Depois de tantos anos de ocupação chinesa no Tibete, o que tem falhado e o que poderemos ainda fazer?

O que tem falhado é um efectivo apoio e solidariedade a nível dos governos em todo o mundo, que por motivos políticos e económicos continuam a apoiar a China e a sacrificar os direitos humanos. A via é continuar a divulgar as atrocidades cometidas pelas autoridades chinesas e a fazer pressão a nível da sociedade civil para que os nossos governos se coloquem não do lado dos carrascos mas das vítimas.

9. Como explica o facto do Budismo ter praticamente desaparecido da Índia, tendo sido essa região a pátria de Buda?

Há várias razões, desde a oposição do Budismo à organização social em castas, que gerou a reacção violenta das castas superiores, até às invasões islâmicas, que destruíram os grandes centros da cultura e espiritualidade budista, como a grande Universidade monástica de Nalanda, onde ensinaram sábios como Nagarjuna, destruída no final do século XII e que chegou a contar com 10 000 alunos e 1500 professores.


10. No seu entender, a eleição de Obama poderá contribuir para uma mudança decisiva do panorama económico, social, político e cultural a nível internacional? E como perspectiva o futuro dos seres humanos tal qual os vê hoje?

Sinceramente, não creio que uma mudança decisiva e um futuro melhor para o homem e o planeta possa vir de algum líder político instalado no sistema, por mais poderoso que seja, pois ninguém chega ao poder sem ter de fazer concessões aos grandes grupos de interesses político-económicos que regem o mundo. A alternativa real passa por não alimentarmos a ilusão que nos leva a esperarmos tudo dos outros, ou de um Salvador, por mais carismático que seja, assumindo antes a nossa responsabilidade – a sua e a minha, leitor – por sermos desde já essa diferença que queremos ver surgir no mundo. Tal qual os vejo hoje, os seres humanos, se não mudarem radicalmente, continuarão a ser o que sempre têm sido: seres iludidos e sofredores. Porém, se em vez de sonhos cor-de-rosa sobre o futuro do mundo, se decidirem a transformar-se realmente, então vejo-os como Budas em potência.

11. Quer-nos falar um pouco sobre o Partido Pelos Animais? Porquê esta necessidade de dar uma contribuição à causa pública? Terá o Budismo influenciado a sua decisão?

É óbvio que o Budismo não me podia deixar indiferente a um projecto de defender a natureza e todas as formas de vida senciente, humana e não-humana, embora o PPA não seja um partido budista. Estou convicto que urge, para bem do planeta, do homem e dos animais, mudarmos radicalmente a mentalidade especista que nos governa, semelhante à racista e sexista, que nos leva a considerar que o homem, por ter uma diferente forma de inteligência, tem o direito de instrumentalizar os animais, que experimentam emoções e sensações de dor e prazer como nós. A defesa da natureza e do bem-estar animal impõe-se hoje como o novo paradigma mental, ético e civilizacional. Disso depende a própria sobrevivência e dignidade da espécie humana. Como budista, não posso deixar de considerar que o modo como tratamos os animais resulta, pela lei da causalidade kármica, em graves problemas ambientais, sociais e de saúde para o ser humano.

12. Como concilia a sua actividade de filósofo, escritor, budista, político, professor e homem? Como vive o Budismo no seu dia a dia?

Com a sensação de falta de tempo, como é óbvio! (risos) Na verdade, sinto-as pessoalmente como complementares e inseparáveis, embora saiba conter cada uma dentro dos seus limites próprios, no que respeita à relação com os outros. Creio que todos nós somos multifuncionais e que temos a potencialidade de “ser tudo, de todas as maneiras”, como diziam Pessoa e Agostinho da Silva, com quem muito aprendi. Procuro levantar-me cedo, fazer uma sessão de meditação e levar para a vida quotidiana, além de uma mente centrada no aqui e agora, uma outra visão das coisas, a visão de todos os seres como manifestações do próprio Buda, de modo a que isso impregne todos os meus pensamentos, palavras e acções. Mas sou apenas alguém que tenta praticar isso, com muitas imperfeições, e que tem muito caminho pela frente.

13. Poderia propor aos nossos leitores uma pequena prática, acessível a todos?

Esqueçam tudo o que acabaram de ler, bem como todas as vossas ideias e preocupações. Endireitem a coluna e sintam o corpo e a respiração durante uns momentos. Depois observem os vossos pensamentos e emoções, sem os combater e sem se deixarem arrastar por eles. Não tentem esvaziar a mente. Observem apenas o que nela surge e logo se dissipa, como nuvens no céu. Permaneçam assim dois ou três minutos.
Pensem agora em alguém que realmente amam, mais incondicionalmente, com menos expectativas de reconhecimento ou retribuição. Pode ser alguém que já partiu desta vida. Sintam-no e, se possível, visualizem-no diante de vós. Sintam como seria bom se o pudessem libertar de tudo o que o possa fazer sofrer, agora e no futuro, e como seria bom oferecer-lhe tudo o que possa tornar feliz, a todos os níveis, para sempre. Comecem então a inspirar, docemente, sentindo que o estão a libertar de tudo o que haja de negativo, sob a forma de um fumo cinzento que converge para o centro do vosso coração, no meio do peito. Mal esse fumo vos toca, transforma-se em luz branca ou dourada e é essa luz que, na expiração, lhe oferecem, impregnando-o totalmente e levando-lhe toda a saúde, bem-estar e felicidade. Continuem assim, sem qualquer receio, transmutando toda a negatividade em luz. Após alguns momentos, incluam todos os seres na inspiração e na expiração, libertando-os de toda a negatividade, transmutando-a em luz e oferecendo essa luz a todo o universo, em todas as direcções. Finalmente, numa expiração, deixem-se dissolver nessa luz, que dissolve igualmente todas as coisas. E permaneçam nesse estado, luminoso, sem limites, para além de todos os conceitos e palavras. Antes que voltem os pensamentos habituais, dediquem mentalmente o que fizeram para o bem, a paz e a felicidade de todos os seres.

Integrem esta experiência na vossa vida quotidiana, recordando que tudo quanto vêem e percepcionam à vossa volta é manifestação dessa mesma luz. E sejam felizes!

quarta-feira, 6 de janeiro de 2010

segunda-feira, 4 de janeiro de 2010

"A Natureza da Mente" Parte 1 de 8

Conferência proferida pelo Lama Denys Rinpoché no dia 27 de Novembro de 2009 na FLUL. O evento foi dinamizado pelo projeto Filosofia e Religião e teve o apoio da Sangha Rimay Lusófona e da União Budista Portuguesa.