"Ninguém tem necessidade de ir para qualquer outro lado. Todos nós já lá estamos; só falta sabermos que de facto assim é. Se eu soubesse realmente quem sou, deixaria de proceder como a pessoa que julgo ser e, se eu deixasse de proceder como a pessoa que suponho ser, saberia quem sou. O que de facto sou - isto se o maniqueu que eu julgo ser me deixar descobrir o que realmente sou - a reconciliação do sim e do não, subsistindo em aceitação total e na abençoada experiêencia do Não-Dois. Em matéria de religião, todas as palavras são obscenas. Toda a criatura que discorre eloquentemente acerca de Buda, de Deus ou de Cristo, merecia que lhe desinfectassem a boca com fenol.
Em virtude da sua aspiração a perpetuar unicamente o sim em todos os pares de coisas antagónicas, o maniqueu que julgo ser não poderá jamais realizar-se na natureza das coisas; condena-se a si próprio a uma frustração incessantemente repetida; a conflitos incessantemente repetidos com outros maniqueus igualmente ambiciosos e frustrados.
Conflitos e frustrações - eis o tema de toda a história e de quase todas as biografias. "Mostrar-te-ei a tristeza" - eis uma frase realista do Buda. Mas ele mostrou igualmente o termo dessa tristeza - o autoconhecimento de cada um, a abençoada experiência do Não-Dois"
- Aldous Huxley,
A Ilha, Lisboa, Livros do Brasdil, 1999, pp.48-49.