A tradução do texto em inglês foi feita por Jeanne Pilli e revisada por Marcelo Nicolodi. O original em inglês pode ser encontrado no site oficial de SS o Dalai Lama. A declaração foi publicada no dia 24 de setembro de 2011.
Introdução
Meus companheiros Tibetanos, tanto dentro como fora do Tibete, todos aqueles que seguem a tradição Budista Tibetana, e todos que têm conexão com o Tibete e com os tibetanos: devido à previdência de nossos antigos reis, ministros e eruditos adeptos, o ensinamento completo do Buda, que compreende as escrituras e os ensinamentos vivenciais dos Três Veículos e dos Quatro Conjuntos de Tantra e os assuntos e disciplinas relacionados, floresceu amplamente na Terra das Neves. O Tibete tem servido ao mundo como fonte de tradições budistas e outras tradições culturais relacionadas. Em particular, tem contribuído significativamente para a felicidade de incontáveis seres na Ásia, incluindo a China, Tibete e Mongólia.
Na tarefa de defender a tradição budista no Tibete, nós desenvolvemos uma incomparável tradição tibetana de reconhecer as reencarnações de eruditos adeptos que tem sido de grande ajuda, tanto para os seres sencientes quanto para o Darma e, em particular, para a comunidade monástica.
Desde que o onisciente Gedun Gyatso foi reconhecido e confirmado como a reencarnação de Gedun Drub no século XV e a Gaden Phodrang Labrang (instituição do Dalai Lama) foi criada, sucessivas reencarnações foram reconhecidas. O terceiro na linhagem, Sonam Gyatso, recebeu o título de Dalai Lama. O quinto Dalai Lama, Ngawang Lobsang Gyatso, estabeleceu o Governo Gaden Phodrang em 1642, tornando-se o líder espiritual e político do Tibete. Por mais de 600 anos desde Gedun Drub, uma série de reencarnações inequívocas foi reconhecida na linhagem dos Dalai Lamas.
Os Dalai Lamas têm atuado como líderes políticos e espirituais do Tibete por 369 anos, desde 1642. Eu agora conduzi isto voluntariamente ao fim, orgulhoso e satisfeito para que possamos buscar o tipo de sistema democrático de governo que floresce em outras partes do mundo. Na verdade, já em 1969, deixei claro que as pessoas interessadas deveriam decidir se reencarnações do Dalai Lama deveriam continuar no futuro. No entanto, na ausência de diretrizes claras, se o público interessado expressar um forte desejo de que os Dalai Lamas devem continuar, há um risco evidente de que interesses políticos façam mau uso do sistema de reencarnação para cumprir sua própria agenda política. Portanto, enquanto eu permanecer física e mentalmente apto, me parece importante elaborar orientações claras para reconhecer o próximo Dalai Lama, para que não haja margem para dúvida ou engano. Para que estas diretrizes sejam plenamente compreensíveis, é essencial compreender o sistema de reconhecimento dos Tulkus e os conceitos básicos por trás dele. Portanto, vou explicá-lo brevemente a seguir.
Vidas Passadas e Futuras
Para aceitar a reencarnação ou a realidade dos Tulkus, precisamos aceitar a existência de vidas passadas e futuras. Os seres sencientes vêm para esta vida presente a partir de vidas passadas e têm novamente um renascimento após a morte. Este tipo de renascimento contínuo é aceito por todas as tradições espirituais e escolas filosóficas indianas antigas, com exceção dos Charvakas, que constituem um movimento materialista. Alguns pensadores modernos negam vidas passadas e futuras com a premissa de que não podemos vê-las. Outros não chegam a conclusões tão claras baseados nessa premissa.
Embora muitas tradições religiosas aceitem o renascimento, diferem em suas visões sobre o quê renasce, como renasce, e como é esta passagem pelo período de transição entre duas vidas. Algumas tradições religiosas aceitam a perspectiva de vida futura, mas rejeitam a idéia de vidas passadas.
Em geral, os budistas acreditam que não existe um início para os nascimentos e que uma vez atingida a liberação da existência cíclica pela superação do carma e das emoções destrutivas, nós não renasceremos sob a influência dessas condições. Portanto, os budistas acreditam que há um fim para o renascimento como resultado do carma e de emoções destrutivas, mas a maioria das escolas filosóficas budistas não aceita que o fluxo mental chegue a um fim. Rejeitar renascimentos passados e futuros seria uma contradição ao conceito budista de base, caminho e resultado, que deve ser explicado com base na mente disciplinada ou indisciplinada. Se aceitarmos este argumento, logicamente estaríamos aceitando que o mundo e seus habitantes surgem sem causas e condições. Portanto, para que você seja budista, é necessário que aceite renascimentos passados e futuros.
Para aqueles que se lembram de suas vidas passadas, o renascimento é uma experiência clara. No entanto, a maioria dos seres comuns se esquece de suas vidas passadas durante o processo da morte, estado intermediário e renascimento. Como renascimentos passados e futuros são obscuros para eles, precisamos usar uma lógica baseada em evidências para comprovar renascimentos passados e futuros.
Há muitos diferentes argumentos lógicos oferecidos pelos discursos do Buda e comentários subsequentes para provar a existência de vidas passadas e futuras. Resumidamente, se reduzem a quatro pontos: a lógica de que as coisas são precedidas por coisas similares, a lógica de que as coisas têm uma causa substancial, a lógica de que a mente obteve familiaridade com coisas no passado, e a lógica de ter obtido experiência com as coisas no passado.
Em última análise, todos esses argumentos se baseiam na idéia de que a natureza da mente, sua clareza e consciência, deve ter luminosidade e consciência como causa substancial. Ela não pode ter nenhuma outra entidade, tal como um objeto inanimado, como sua causa substancial. Isto é evidente por si mesmo. Por análise lógica, inferimos que um novo fluxo de luminosidade e consciência não pode surgir sem causas ou a partir de causas não relacionadas. Ao observar que a mente não pode ser produzida em laboratório, também inferimos que nada pode eliminar a continuidade da luminosidade e consciência sutis.
Que eu saiba, nenhum psicólogo, físico ou neurocientista moderno foi capaz de observar ou predizer a produção da mente a partir da matéria ou sem causa.
Há pessoas que podem lembrar suas vidas imediatamente anteriores ou mesmo várias vidas passadas, bem como são capazes de reconhecer lugares e parentes dessas vidas. Isto não é apenas algo que aconteceu no passado. Hoje em dia há pessoas, no oriente e no ocidente, capazes de recordar incidentes e experiências de suas vidas passadas. Negar isto não é uma forma honesta e imparcial de realizar pesquisas, porque vai contra esta evidência. O sistema tibetano de reconhecer reencarnações é um modo autêntico de investigação baseado nas lembranças de vidas passadas das pessoas.
Como o Renascimento Acontece
Existem duas formas pelas quais uma pessoa pode ter um renascimento após a morte: renascer por influência do carma e de emoções destrutivas e renascer pelo poder da compaixão e das preces. Com respeito à primeira, devido à ignorância, são criados carmas negativos e positivos e suas marcas permanecem na consciência. Estas são reativadas pelo desejo e apego, nos lançando para a próxima vida. Assim temos um renascimento involuntário em reinos inferiores ou superiores. Esta é a forma pela qual seres comuns circulam incessantemente pela existência como o girar de uma roda. Mesmo sob tais circunstâncias, seres comuns podem se engajar diligentemente com uma aspiração positiva em práticas virtuosas em suas vidas cotidianas. Eles se familiarizam com a virtude, que é reativada no momento da morte para que tenham um renascimento em reinos de existência superiores. Por outro lado, bodisatvas superiores, que realizaram o caminho da visão, não renascem por força de seus carmas e emoções destrutivas, mas pelo poder da compaixão pelos seres sencientes e com base em suas preces para benefício de outros. Eles são capazes de escolher o local e o momento de seu renascimento bem como seus futuros pais. Tal renascimento, que ocorre apenas para o benefício de outros, é o renascer pelo poder da compaixão e das preces.
O Significado de Tulku
Diz-se que o costume tibetano de usar o epíteto “Tulku” (Emanação do Corpo do Buda) para reencarnações reconhecidas surgiu quando foi utilizado por devotos como um título honorário, mas desde então tornou-se uma expressão comum. Em geral, o termo Tulku se refere a um aspecto particular do Buda, um dos três ou quatro descritos no Veículo dos Sutras. De acordo com esta explicação desses aspectos do Buda, uma pessoa que é totalmente vinculada às emoções destrutivas e ao carma tem o potencial de atingir o Corpo da Verdade (Dharmakaya), que compreende o Corpo da Verdade da Sabedoria e o Corpo da Verdade da Natureza. O primeiro se refere à mente iluminada de um Buda, que enxerga tudo direta e precisamente, assim como é, instantaneamente. Libertou-se de todas as emoções destrutivas, bem como de suas marcas, pela acumulação de mérito e sabedoria por um longo período de tempo. O último, o Corpo da Verdade da Natureza, refere-se à natureza de vacuidade daquela mente iluminada onisciente. Estes dois reunidos são por si mesmos aspectos dos Budas. No entanto, por não serem diretamente acessíveis aos outros, mas apenas pelos próprios Budas, é imperativo que os Budas se manifestem em formas físicas que sejam acessíveis aos seres sencientes para ajudá-los. Por isso, o aspecto físico final de um Buda é o Corpo de Completo Regozijo (Sambhogakaya), acessível aos bodisatvas superiores, e que tem cinco qualificações definidas, tais como residir no Céu de Akanishta. E a partir do Corpo de Completo Regozijo, manifestam-se miríades de Corpos de Emanações ou Tulkus (Nirmanakaya), de Budas, que surgem como deuses ou humanos e são acessíveis até mesmo para seres comuns. Estes dois aspectos físicos do Buda são chamados Corpos da Forma, voltados para os outros.
O Corpo de Emanação é triplo: a) o Corpo de Emanação Suprema como o Buda Shakyamuni, o Buda histórico, que manifestou as doze ações de um Buda tais como ter nascido em local escolhido por ele e assim por diante; b) o Corpo de Emanação Artística que serve os outros por surgir como artesãos, artistas e assim por diante; e c) Corpo de Emanação Encarnada, de acordo com o qual surgem Budas sob várias formas como seres humanos, deidades, rios, pontes, plantas medicinais, e árvores para auxiliar seres sencientes. Destes três tipos de Corpos de Emanação, as reencarnações de mestres espirituais reconhecidos como “Tulkus” no Tibet estão na terceira categoria. Entre estes Tulkus pode haver muitos que são Corpos de Emanação Encarnados de Budas verdadeiramente qualificados, mas isto não se aplica necessariamente a todos. Entre os Tulkus do Tibet pode haver aqueles que são reencarnações de bodisatvas superiores, bodisatvas que estão nos caminhos de acumulação e preparação, bem como mestres que evidentemente ainda não iniciaram estes caminhos dos bodisatvas. Portanto, o título de Tulku é dado a Lamas reencarnados tanto com base na semelhança com seres iluminados quanto através de sua conexão com certas qualidades de seres iluminados.
Como Jamyang Khyentse Wangpo disse:
“Reencarnação é aquilo que ocorre quando uma pessoa tem um renascimento após a morte de seu predecessor; emanação é quando a manifestação ocorre sem que sua fonte tenha falecido.”
Reconhecimento das Reencarnações
A prática de reconhecer quem é quem pela identificação da vida prévia de uma pessoa ocorreu até mesmo quando o próprio Buda Shakyamuni estava vivo. Muitos relatos se encontram nas quatro Seções Agama do Vinaya Pitaka, nas histórias Jataka, no Sutra do Sábio e do Tolo, no Sutra dos Cem Carmas e assim por diante, nos quais o Tatágata revelou as operações do carma, recontando inúmeras histórias a respeito de como os efeitos de certos carmas criados em vidas passadas são vivenciados por uma pessoa em sua vida presente. Da mesma forma, nas histórias das vidas de mestres indianos, que viveram depois do Buda, muitos revelam seus locais de renascimentos anteriores. Há muitas dessas histórias, mas o sistema de reconhecimento e numeração dessas reencarnações não ocorreu na Índia.
O Sistema de Reconhecimento de Reencarnações no Tibete
Vidas passadas e futuras foram afirmadas pela tradição indígena tibetana Bon antes da chegada do Budismo. E desde que o Budismo se espalhou pelo Tibet, absolutamente todos os tibetanos acreditam em vidas passadas e futuras. As investigações de reencarnações de mestres espirituais que apoiaram o Darma, bem como o costume de rezar devotadamente a eles, floresceram em todos os lugares do Tibet. Muitas escrituras autênticas, livros tibetanos originais como o Mani Kabum e os Ensinamentos Quíntuplos Kathang e outros como Os Livro dos Discípulos Kadam e a Guirlanda de Joias: Respostas a Buscas, que foram recontados pelo glorioso e incomparável mestre indiano Atisha Dipankara no Século XI no Tibet, contam histórias de reencarnações de Arya Avalokiteshvara, o bodisatva da Compaixão. No entanto, a tradição atual de reconhecimento formal de reencarnações de mestres teve início com o reconhecimento do Karmapa Pagshi como reencarnação do Karmapa Dusum Khyenpa por seus discípulos conforme sua previsão. Desde então, existiram dezessete encarnações do Karmapa ao longo de mais de novecentos anos. Da mesma forma, desde o reconhecimento de Kunga Sangmo como reencarnação de Khandro Choekyi Dronme no Século XV existiram mais de dez encarnações de Samding Dorje Phagmo. Então, entre os Tulkus reconhecidos no Tibet há praticantes monásticos e leigos, homens e mulheres. Este sistema de reconhecimento de encarnações se espalhou gradualmente para outras tradições budistas tibetanas, e o Bon, no Tibet. Hoje, há Tulkus reconhecidos em todas as tradições budistas tibetanas, Sakya, Geluk, Kagyu e Nyingma, bem como na Jonang e Bodong, que oferecem o Darma. E também é evidente que entre estes Tulkus alguns são uma vergonha.
O onisciente Gedun Drub, que foi discípulo direto de Je Tsongkhapa, fundou o Monastério Tashi Lhunpo em Tsang e cuidou de seus alunos. Faleceu em 1464 com 84 anos de idade. Embora inicialmente nenhum esforço tenha sido feito para identificar sua reencarnação, as pessoas foram obrigadas a reconhecer uma criança chamada Sangye Chophel, nascida em Tanak, Tsang (1476), devido às surpreendentes e perfeitas recordações de sua vida passada. Desde então, iniciou-se a tradição de buscar e reconhecer as reencarnações sucessivas dos Dalai Lamas pelo Gaden Phodrang Labrang e mais tarde pelo Governo Gaden Phodrang.
As Formas de Reconhecer Reencarnações
Depois que este sistema de reconhecimento de Tulkus passou a existir, vários procedimentos começaram a ser desenvolvidos. Entre estes, alguns dos mais importantes incluem uma carta preditiva do predecessor e outras instruções e indicações que podem ocorrer; observar a reencarnação contando e falando de forma confiável sobre sua vida anterior; identificação de pertences do predecessor e reconhecimento de pessoas que eram próximas a ele. Alem destes, outros métodos incluem solicitar adivinhações de mestres espirituais confiáveis bem como buscar previsões de oráculos mundanos, que se manifestam por meio de médiuns em transe, e observar as visões que se manifestam em lagos sagrados de protetores como Lhamoi Latso, um lago sagrado ao sul de Lhasa.
Quando existe mais de um candidato em potencial a ser reconhecido como um Tulku, e torna-se difícil decidir, há uma prática para a tomada de decisão final por adivinhação que emprega o método da bola de massa de pão (zen tak) diante de uma imagem sagrada enquanto se evoca o poder da verdade.
Emanação Antes do Falecimento do Predecessor (ma-dhey tulku)
Geralmente uma reencarnação deve ser alguém que renasce como um ser humano após seu prévio falecimento. Seres humanos comuns geralmente não são capazes de se manifestar como emanação antes de sua morte (ma-dhey tulku), mas bodisatvas superiores, que podem se manifestar em centenas ou milhares de corpos simultaneamente, podem manifestar-se como emanações antes da morte. No sistema tibetano de reconhecimento de Tulkus há emanações que pertencem ao mesmo fluxo mental do predecessor, emanações conectadas a outras pelo poder do carma e preces, e emanações que surgem como resultado de bênçãos e nomeação.
O propósito principal do surgimento de uma reencarnação é a continuidade do trabalho incompleto do predecessor para servir ao Darma e aos seres. No caso de um Lama que é um ser comum, ao invés de ter uma reencarnação pertencente ao mesmo fluxo mental, uma outra pessoa conectada a este Lama por meio de carma puro e preces pode ser reconhecida como sua emanação. Como alternativa é possível ao Lama apontar um sucessor que seja seu discípulo ou alguém mais jovem para que seja reconhecido como sua emanação. Já que estas opções são possíveis para o caso de um ser comum, é possível uma emanação antes da morte que não pertença ao mesmo fluxo mental. Em alguns casos, um Lama realizado pode ter várias reencarnações simultaneamente, tais como encarnações de corpo, fala e mente e assim por diante. Recentemente, tivemos emanações antes da morte bem conhecidas como Dudjom Jigdral Yeshe Dorje e Chogye Trichen Ngawang Khyenrab.
O Uso da Urna Dourada
À medida que esta era de degeneração avança, e como cada vez mais reencarnações de lamas realizados estão sendo reconhecidas, algumas delas por motivos políticos, um número crescente tem sido reconhecido por meios inapropriados e questionáveis, e como resultado, tem sido causado um enorme prejuízo ao Darma.
Durante o conflito entre o Tibete e os Gurkhas (1791-93) o Governo Tibetano teve que recorrer à ajuda militar da Manchúria. Consequentemente, os militares Gurkha foram expulsos do Tibet, mas mais tarde os oficiais da Manchúria fizeram uma proposta de 29 pontos sob o pretexto de tornar a administração do Governo Tibetano mais eficiente. Esta proposta incluiu a sugestão de sorteio de nomes dos candidatos colocados em uma Urna Dourada para decidir o reconhecimento das reencarnações dos Dalai Lamas, Panchen Lamas e Hutuktus, um título mongol dado a Lamas importantes. Assim, este procedimento foi seguido em casos de reconhecimento das reencarnações dos Dalai Lamas, Panchen Lamas e outros Lamas importantes. O ritual a ser seguido foi escrito pelo Oitavo Dalai Lama Jampel Gyatso. Mesmo depois de tal sistema ter sido introduzido, o procedimento foi dispensado nos casos do Nono, do Décimo-Terceiro e no meu próprio caso, o Décimo-Quarto Dalai Lama.
Mesmo no caso do Décimo Dalai Lama, a reencarnação autêntica já tinha sido encontrada, e na realidade este procedimento não foi seguido; mas para agradar os oficiais da Manchúria foi meramente anunciado que o procedimento havia sido observado.
O sistema da Urna Dourada foi realmente usado apenas nos casos do Décimo-Primeiro e do Décimo-Segundo Dalai Lamas. No entanto, o Décimo-Segundo Dalai Lama já havia sido reconhecido antes do procedimento ter sido empregado. Sendo assim, houve apenas uma ocasião em que o Dalai Lama foi reconhecido por esse método. Da mesma forma, entre as reencarnações do Panchen Lama, com exceção do Oitavo e do Nono, este método não foi empregado em nenhum outro caso. Este sistema foi imposto pelos manchurianos, mas os tibetanos não acreditavam nele por ser desprovido de qualquer qualidade espiritual. No entanto, se fosse utilizado de forma honesta, poderíamos considerá-lo um método similar à adivinhação pelas bolas de massa de pão (zen tak).
Em 1880, durante o reconhecimento de Décimo-Terceiro Dalai Lama como a reencarnação do Décimo-Segundo, ainda existiam traços da relação religiosa-temporal entre o Tibet e a Manchúria. Ele foi reconhecido como a reencarnação inequívoca do oitavo Panchen Lama, pelas previsões dos oráculos de Nechung e Samye e pelas visões em Lhamoi Latso, e por isso o procedimento da Urna Dourada não foi seguido. Isto pode ser claramente compreendido por meio do testamento final do Décimo-Terceiro Dalai Lama do Ano do Macaco de Água (1933) no qual ele declara:
“Como vocês sabem, eu não fui escolhido pela forma costumeira de sorteio da Urna Dourada, mas minha escolha foi anunciada e adivinhada. De acordo com essas adivinhações e profecias eu fui reconhecido como a reencarnação do Dalai Lama e entronado.”
Quando eu fui reconhecido como a Décima-Quarta encarnação do Dalai Lama em 1939 a relação religiosa-temporal entre o Tibet e a China já havia chegado ao fim. Portanto, não havia dúvidas sobre qualquer necessidade de confirmar a reencarnação pelo uso da Urna Dourada. Sabe-se bem que o Regente do Tibet e a Assembleia Nacional Tibetana seguiram o procedimento de reconhecimento da reencarnação do Dalai Lama levando em conta as profecias de Lamas realizados, oráculos e de visões no Lhanoi Latso; os Chineses não tiveram absolutamente nenhum envolvimento. No entanto, mais tarde alguns oficiais do Guomintang (Partido Nacionalista Chinês) ardilosamente espalharam mentiras nos jornais alegando que eles haviam concordado em renunciar ao uso da Urna Dourada e que Wu Chung-tsin havia presidido minha entronização, e assim por diante. Esta mentira foi exposta por Ngabo Ngawang Jigme, o Vice-Presidente da Comissão Permanente do Congresso Popular Nacional, a quem a República Popular da China considerou a pessoa mais progressista, na Segunda Sessão do Quinto Congresso Popular da Região Autônoma do Tibet (31 de Julho de 1989). Isto fica claro quando, no final de seu discurso, no qual deu explicações detalhadas dos eventos e apresentou evidências documentadas, ele insistiu:
“Que necessidade há de o Partido Comunista seguir o exemplo e dar continuidade às mentiras do Guomintang?”
Estratégia Enganosa e Falsas Esperanças
No passado recente, existiram casos de gestores irresponsáveis dos espólios de lamas abastados que se entregaram a métodos impróprios para reconhecer reencarnações, os quais têm prejudicado o Darma, a comunidade monástica e nossa sociedade. Além do mais, desde a era manchuriana, autoridades políticas chinesas repetidamente se engajaram em vários meios traiçoeiros utilizando o budismo, mestres budistas e Tulkus como instrumentos para atingir seus objetivos políticos, envolvendo-se em questões mongóis e tibetanas. Atualmente, os governantes autoritários da República Popular da China, que como comunistas rejeitam a religião, mas ainda se envolvem em questões religiosas, impuseram a chamada campanha de reeducação e declararam a chamada Ordem nº Cinco, com respeito ao controle e reconhecimento de reencarnações, que passou a vigorar em 1º de Setembro de 2007. Isto é ultrajante e vergonhoso. A aplicação de vários métodos inapropriados de reconhecimento de reencarnações para erradicar nossas incomparáveis tradições culturais tibetanas está causando danos difíceis de serem reparados.
Além do mais, eles dizem que estão aguardando a minha morte e que reconhecerão o Décimo-Quinto Dalai Lama de sua escolha. É claro que, a partir de suas recentes regras e regulamentos e subsequentes declarações , eles têm uma estratégia detalhada para enganar os tibetanos, seguidores da tradição budista tibetana, e a comunidade mundial. Portanto, como eu tenho a responsabilidade de proteger o Darma e os seres sencientes contra tais regimes prejudiciais, eu faço a seguinte declaração.
A Próxima Encarnação do Dalai Lama
Como mencionei anteriormente, a reencarnação é um fenômeno que pode ocorrer por meio de escolha voluntária da pessoa em questão ou ao menos pela força de seu carma, mérito e preces. Portanto, a pessoa que reencarna tem autoridade legitimada exclusiva sobre onde e como ele ou ela terá renascimento e como a reencarnação será reconhecida. É uma realidade que ninguém mais pode forçar a pessoa em questão, ou manipulá-la. É particularmente inapropriado para os comunistas chineses, que explicitamente rejeitam até mesmo a idéia de vidas passadas e futuras, quanto mais o conceito de Tulkus reencarnados, interferirem no sistema de reencarnação e especialmente de reencarnações dos Dalai Lamas e Panchen Lamas. Tal intromissão descarada contradiz suas próprias ideologias políticas e revela sua duplicidade de parâmetros. Se esta situação continuar no futuro, será impossível para os tibetanos e para aqueles que seguem a tradição budista tibetana reconhecê-la ou aceitá-la.
Quando eu tiver cerca de noventa anos, eu consultarei os lamas realizados das tradições budistas tibetanas, o público tibetano e outras pessoas pertinentes que seguem o budismo tibetano, e reavaliarei se a instituição do Dalai Lama deve continuar ou não. Sobre esta base tomaremos uma decisão. Se for decidido que a reencarnação do Dalai Lama deve continuar e que há a necessidade de que o Décimo-Quinto Dalai Lama seja reconhecido, a responsabilidade por fazê-lo será principalmente dos Oficiais do Gaden Phodrang do Dalai Lama. Eles deverão consultar os vários chefes das tradições budistas tibetanas e os protetores do Darma comprometidos e confiáveis que estão inseparavelmente ligados à linhagem dos Dalai Lamas. Eles deverão buscar aconselhamento e instruções destes seres e conduzir os procedimentos de procura e reconhecimento de acordo com a tradição do passado. Eu deixarei instruções escritas claras sobre isso. Tenham em mente que, com exceção de reencarnações reconhecidas por meio de tais métodos legítimos, nenhum reconhecimento ou aceitação deverão ser concedidos a um candidato escolhido para fins políticos de ninguém, incluindo aqueles da República Popular da China.
O Dalai Lama
Dharamsala
Declaração de SS o Dalai Lama | Bodisatva: um olhar budista
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