Por Paul Griffin
Por causa do terramoto no Haiti tenho tido presente, na minha mente, o sofrimento humano.
Hoje, eu quero partilhar convosco um poema de W. H. Auden, que aborda o tema do sofrimento. Há já algum tempo que não coloco no blogue um post com Poesia do Dharma e, ainda que não considere Auden um escritor particularmente dharmico, sinto que este poema - “Musée des Beaux Arts” – toca habilmente num ponto-chave da questão de como podemos começar a trabalhar com o sofrimento dos nossos semelhantes: prestando atenção a esse sofrimento.
“Musée des Beaux Arts” foi inspirado nas pinturas de Bruegel, especialmente no seu Ícaro (abaixo), que Auden terá visto quando visitou Bruxelas em 1940.
Sobre o sofrimento eles nunca se enganaram,
Auden começa por atribuir aos Velhos Mestres da pintura um correcto conhecimento acerca do sofrimento, especificamente a sua “posição humana”. Auden acreditava que o sofrimento tinha a sua “posição” correcta na experiência humana, uma experiência que também incluía alegria, medo, e amor, etc. De facto, não estou certo sobre o que Auden teria pensado da primeira nobre verdade – que toda a vida é sofrimento. Ele poderia ter considerado uma tal formulação demasiado simplista, demasiado redutora. Auden estava mais centrado na natureza inter-relacionada da experiência humana, da qual o sofrimento era meramente um aspecto mas, na verdade, um aspecto central (talvez o aspecto central – tenho ouvido dizer que todos os poemas de Auden mostram vestígios de lágrimas secas).
Os Velhos Mestres; quão bem eles entenderam
A posição humana do sofrimento; como ele acontece
Enquanto outros estão a comer, a abrir uma janela ou, apenas, num monótono caminhar;
Reparem como este verso, também ele, se limita a um balouçar suspenso por detrás dos outros. O sofrimento acontece enquanto o resto da vida continua, enquanto o resto de nós vai verificar o seu email, ou jantar, ou ver a TV. Enquanto toda a repetitiva monotonia da vida continua aqui, nos Estados Unidos, aqueles que estão no Haiti sofrem.
Como, quando os idosos estão à espera, reverente e apaixonadamente,
Do nascimento milagroso, existirão sempre
Crianças que não desejaram especialmente que ele acontecesse, patinando
Num pequeno lago na orla do bosque;
Nem mesmo o nascimento de Cristo é um acontecimento sobre o qual toda a humanidade se pode focar. É que, simplesmente, não está dentro das nossas capacidades concentrar a nossa atenção em qualquer acontecimento único. Haverá sempre crianças a patinar em pequenos lagos ou a ouvirem os seus iPods.
Eles nunca esqueceram
“Eles”, aqui, são os mestres pintores que sabem que, mesmo em momentos de grande tragédia, tal como o Massacre dos Inocentes no Novo Testamento, quando o rei da Judeia, Herodes o Grande, ordenou a matança de milhares de crianças em Belém, a vida continua ou, usando a terrível frase de Auden, “os cães continuam com a sua vida de cachorros”. Auden está a pensar na pintura de Bruegel O Massacre dos Inocentes, ao escrever os versos que se seguem:
Que mesmo o terrível martírio deve seguir o seu curso
De qualquer forma, algures num canto, um qualquer sítio sujo
Onde os cães continuam com a sua vida de cachorros e o cavalo do torturador
Coça o seu inocente traseiro numa árvore.
Depois, nos últimos oito versos, Auden centra-se intensamente no Ícaro de Bruegel - como o lavrador e o pastor não prestam qualquer atenção à tragédia de um rapaz que cai do céu, numa clara referência ao mito de Ícaro que voou demasiado perto do sol, as suas asas derreteram-se e ele caiu a prumo para a terra. Entretanto, o “navio caro e delicado” e o seu capitão continuam calmamente a navegar, pois têm de estar nalgum outro lugar. Nem mesmo a própria natureza pode prestar uma atenção especial à tragédia de Ícaro: “o sol brilhou/ como tinha de brilhar”.
No Ícaro de Bruegel, por exemplo: como tudo se afasta
Muito tranquilamente do desastre: o lavrador pode
Ter ouvido o barulho da queda na água, o grito desamparado,
Mas para ele não foi um desaire importante; o sol brilhou
Como tinha de brilhar sobre as pernas brancas que desapareciam nas verdes
Águas; e o caro e delicado navio que deve ter visto
Algo fantástico, um rapaz caindo do céu,
Tinha de chegar algures e continuou tranquilamente o seu navegar.
Não creio que, aqui, a intenção de Auden seja didáctica; por outras palavras, eu não o ouço, necessariamente, a chamar-nos a atenção para a queda de Ícaro. Ao contrário, no seu poema Auden está, simplesmente, a descrever como as coisas são. Grandes tragédias acontecem a alguns de nós, enquanto todos os outros estão ocupados. É assim que funciona o sofrimento humano; é esta a sua “posição” na vida humana.
Dito isto, eu senti que ler este poema e olhar para esta pintura foi algo que me ajudou a dirigir a minha atenção, uma vez mais, para o Haiti, para aqueles que lá sofrem diariamente e de uma forma terrível. O poema de Auden é um lembrete para eu olhar, quando alguém se está a afogar. Para ajudar. Para doar. E para, no mínimo, prestarmos atenção, para mantermos nas nossas mentes e nos nossos corações estes companheiros, homens e mulheres em sofrimento e, dessa forma, orarmos por eles.
(texto original em inglês, em: http://blog.beliefnet.com/onecity/author/paul-griffin-1/2010/01/index.html )
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